Agnes Water, onde passei 3 dias como um náufrago

Agnes Water, onde passei 3 dias como um náufrago

Agnes Water é uma pequena vila na costa do estado de Queensland na Austrália. Fica junto a um cabo que tem o nome de Seventeen Seventy (1770). Que corresponde ao ano em que o Capitão Cook descobriu a Austrália, e que foi nesse local que ele desembarcou pela primeira vez.

A minha decisão em visitar aquela pequena vila, fora da lista de locais populares entre os mochileiros, foi o resultado de um impulso no dia em que cheguei à Austrália. A agente de turismo sugeriu-me uma aventura como náufrago numa ilha deserta, e a ideia pareceu-me muito boa! Então assim foi, fui para Agnes Water!

A curta passagem pela vila de Agnes Water

A viagem para Agnes Water começou logo em Noosa. Enquanto esperava pelo autocarro, e me preparava mentalmente para mais uma viagem de longa duração. 9 horas dentro de mais um autocarro…, reparo que está uma cara conhecida quase ao meu lado. Uma inglesa que esteve comigo na excursão pela ilha de Fraser! Começámos logo a falar, e fomos juntos no autocarro, ao que nos apercebemos que vamos para a mesma aventura! É engraçado que nem me lembrava do nome dela, mas ela tinha-me adicionado no facebook. Afinal estas redes sociais até podem ser úteis…

O autocarro foi quase sempre cheio até Agnes Water, apesar de ser uma viagem longa, é parte da rota Este da Austrália. A grande vantagem de ir para um local pequeno, é que também é mais fácil de tornarem a experiência ainda mais acolhedora. À chegada já tínhamos alguém à nossa espera para nos receber e levar até ao hostel. E logo à chegada decidi marcar uma noite extra, pois seria complicado apanhar o autocarro para o destino seguinte. Foi mesmo a melhor decisão que tomei!

Logo nessa noite conheci algumas pessoas, apesar de ser verão e estar bastante calor, decidiram acender uma fogueira no meio do pátio. Até deu um ambiente ainda mais acolhedor! Uma das coisas que notei foi a quantidade de sardaniscas que andavam pelo hostel, várias nas paredes. Eu até gosto bastante de répteis, adorei ver tantos por ali!

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No dia seguinte fui para o ponto de encontro, onde o organizador da experiência nos meteu algum medo com os perigos da ilha. Ele próprio parecia ter uma grande pancada… E foi aí que me apercebi que tinha perdido a minha toalha micro-fibra. Lá voltei a correr para o hostel, e o staff não foi lá muito prestável, mas emprestaram-me uma toalha para os 3 dias na ilha. Na verdade, acho que me roubaram mesmo a toalha, com o OCD que tenho na arrumação, tenho a certeza de que a tinha deixado junto à cama, e não estava lá quando acordei. Mas pronto, quem é que quer uma toalha mal-cheirosa? Estava mesmo a precisar de ser lavada…

A viagem para a Middle Island

A viagem começa ainda antes de entrarmos no avião, tivemos de assinar um termo de responsabilidade em que desresponsabilizávamos a organização sobre potenciais acidentes. Logo de seguida percebemos porquê…

Para chegarmos à ilha fomos num ultraleve, e uma viagem bastante peculiar. Salvo erro éramos cerca de 15 que ficámos na ilha, então tivemos de separar em 2 grupos, e cada grupo em 2 aviões ultraleves. E como os pilotos têm muito melhor controlo sobre o que fazem num ultraleve…, a viagem foi quase a simular um acidente de avião. Não um naufrágio, mas sim quase uma experiência da série LOST.

Desde curvas bem acentuadas, quase a voarmos sobre uma asa, a subidas repentinas e quedas bem acentuadas ao ponto de vermos os óculos de sol a subirem quase em gravidade zero. Foi uma viagem algo assustadora, mas uma dose de adrenalina. Até que aterrámos na praia, para começarmos os nossos 3 dias como náufragos!

O problema de usarem a praia como “aeródromo” é que está bem dependente das marés. Então a nossa experiência foi reduzida a 2 dias e meio, ou talvez menos do que isso. Mas para compensar, no final ofereceram-nos um churrasco.

Três dias como náufragos na Middle Island, perto de Agnes Water

À chegada fomos recebidos por uma voluntária do acampamento. Mega bronzeada, já lá estava há umas semanas (ou meses?). Basicamente, não recebe pela experiência, excepto as viagens e a comida. Em troca, tem de gerir o acampamento. Uma troca pouco justa, tendo em conta a responsabilidade que ela tem, mas uma experiência para quem quer passar umas semanas numa ilha deserta de “férias pagas”.

Deixámos as nossas coisas nas tendas, e fomos logo para a praia! Uma tarde de kayak e bóias tipo pneus. Divertimo-nos tanto, que nem nos lembrámos que existem tubarões na Austrália…, mas aparentemente raramente aparecem naquela zona. Depois fomos explorar a zona à volta da praia, e fomos apanhar ostras. Na verdade não apanhámos nada, mas o objectivo era mesmo conhecermos um pouco mais da zona.

Um detalhe sobre esta experiência, é que tudo tem de ser local e ecológico. Segundo a Kristina, a nossa anfitriã, o acordo que os organizadores da experiência têm com o serviço de parques nacionais, é que podem usar aquela praia desde que não contaminem a zona com nada exterior. Daí um acampamento, “casa de banho” biológica, e chuveiro com água da chuva (bem mal cheirosa…). E claro, um constante contacto com a Natureza. Para o bom e para o mau…

Praia junto ao acampamento em Middle Island
Praia junto ao acampamento em Middle Island

Sobre a parte da casa de banho, até merece um parágrafo só para si mesmo. Então, sendo uma casa de banho biológica, basicamente é uma “torre” com um depósito para onde fazemos as necessidades directamente. E como esse cheio atrai muitos insectos, por sua vez também atrai muitas aranhas… Por sorte a essa altura da viagem já estava bem mais habituado a aranhas, e o meu medo por aranhas já estava bem mais controlado. E há certas necessidades que não dá para simplesmente fazer no mar, e aguentar 3 dias também não é opção. Sim, mete algum respeito estar rodeado por aranhas tão grandes, mas elas nem se mexem. E a vista da torre para a praia é de luxo!

Mas nem tudo é “feito no local”, o jantar foi um ensopado de carne que veio logo connosco no avião, com outros mantimentos. E foi bem regado por vinho, o famoso “goon” na Austrália. Basicamente vinho barato, vendido em caixas. É isso que a maioria dos mochileiros bebe. E com vários jogos de bebidas, lá nos fomos conhecendo um pouco melhor.

Passeio até Pancake Creek no segundo dia na ilha

A parte má de dormir no meio da Natureza, é que também somos meios comidos pela Natureza. Logo ao jantar já estava a sofrer bastante com os mosquitos, constantemente a ser mordido. Para entrarmos nas tendas, só às escuras para evitar atrair mosquitos. Ainda assim, alguns entraram.

A parte boa de dormir no meio da Natureza com novos amigos, é que também dá para as palhaçadas. Algumas brincadeiras para assustarmos uns aos outros, e também nos assustarmos com qualquer barulhinho à nossa volta.

Na manhã seguinte, depois de acordar todo mordido, fui até ao mar e dar umas braçadas para acordar e refrescar! Mar só para mim! Os outros depois juntaram-se, antes de nos aventurarmos para o outro lado para ilha para vermos algo completamente diferente.

Floresta morta em Pancake Creek
Floresta morta em Pancake Creek

Aparentemente os mosquitos não gostam muito da praia, ou do ar salgado. Mas para atravessarmos a ilha tivemos de ir pelo meio do mato, obviamente. Não houve repelente que funcionasse, cobri-me com a toalha e ainda assim os mosquitos conseguiam morder-me! Foi uma travessia complicada. Mas pelo caminho fomos tendo algumas distracções, imensos lagartos (goanna) e perus selvagens australianos!

Quase no destino final passámos por uma parte bem diferente de tudo o que já tinha visto. Um estilo de floresta morta, num pântano seco. Com búzios gigantes por todo o lado! Um cenário quase apocalíptico, e sinceramente nem sei bem quais os motivos para o que ali aconteceu, mas pareceu ser tudo natural.

Trilho junto às árvores submergidas em Pancake Creek
Trilho junto às árvores submergidas em Pancake Creek

Pancake Creek é um tipo de canal com árvores submergidas, pelo que li é uma zona muito rica em biodiversidade por causa dessas árvores. Mas nós fomos ali mais por causa da praia, água bem calma e límpida. Estivemos um bocado ali na palhaçada, com lutas aos ombros uns dos outros, e quando nos cansámos resolvemos voltar por outro percurso.

O caminho de volta foi junto a essas árvores submergidas. Na verdade as árvores estão quase na totalidade à superfície, mas parte dos troncos e as raízes debaixo de água. Algumas aranhas pelo caminho, o que não me agradou muito ver, mas nada de assustador.

Regresso ao acampamento e tarde na praia

Quando um grupo de jovens está numa ilha deserta, o normal é passarmos muito tempo na praia. Recomendaram-nos vivamente a não nos aventurarmos sozinhos pelo meio da ilha, mas a estarmos à vontade junto à praia. Ao regressarmos ao acampamento, e depois de almoçarmos, foi onde passámos quase o resto do dia.

Tarde de kayak na praia junto ao acampamento
Tarde de kayak na praia junto ao acampamento

Fazer kayak no mar é uma experiência brutal, principalmente quando temos ondas! Juntei-me com aquela rapariga que tinha conhecido na ilha de Fraser, e foi rir o tempo todo! Perdi a conta à quantidade de vezes que voltámos o kayak nas ondas, e quase que perdi a GoPro nessas brincadeiras…, ainda bem que tenho um cabo flutuante, senão tinha perdido algumas das minhas memórias ali mesmo.

No final da tarde o avião regressou, desta vez com mais uma coordenadora. Uma nova coordenadora para o acampamento, que iria aprender sobre a ilha e posteriormente tornar-se na nova coordenadora. Ao jantar convivemos mais acompanhados de bebida, mas já de rastos acabámos por ir dormir cedo.

Último dia como náufrago

Foi uma experiência curta naquela ilha perto de Agnes Water, mas foi bastante boa e que me ficou na memória. Mas até aos últimos momentos foi tempo para aproveitar.

Acordei logo bem cedo, com o sol e o calor já nem conseguia dormir mais. Com vontade de fazer necessidades que não requerem o uso de uma torre panorâmica, lá me dirigi ao mar. Bem cedinho, com o mar só para mim, e sem me preocupar muito, até que oiço uns passos violentos na areia bem perto de mim. A primeira coisa que pensei foi que alguém me iria pregar uma partida, mas assim que volto costas vejo dois cangurus selvagens a atravessarem a praia!! Voltei a correr para o acampamento para ir buscar a minha máquina fotográfica para registar aquele momento, mas já não deu. Entretanto o resto do pessoal foi acordado, e os cangurus lá voltaram a aparecer! Aí já deu para umas fotos!

Tomámos café, e seguimos viagem em direcção a outro ponto da ilha. Mas desta vez só algumas pessoas do grupo, enquanto outros preferiram ficar no acampamento.

Agnes Water, onde passei 3 dias como um náufrago
Agnes Water, onde passei 3 dias como um náufrago

A meu ver, quando temos oportunidade de visitar mais, isso é sempre prioridade a ficar na praia de molho. Praias há pelo mundo todo, mas certas paisagens só em alguns locais em particular. Então a minha escolha não foi nada difícil.

Fomos até ao farol da Middle Island, onde vimos mais cangurus e onde aparentemente é frequente eles andarem por lá. E dali descemos uma encosta com uma vista brutal até a umas cavernas.

O meu receio por aranhas não ficou completamente curado na Austrália, mas ajudou imenso a ficar mais relaxado. Mas também percebi o que realmente me mete receio. Não é o facto de ver uma aranha, mas dela mexer. Tivemos de passar por debaixo de uma teia bem grande, com uma aranha bem no meio. Isso não me fez confusão nenhuma, mas sempre de olho no bicho… Até que a nossa coordenadora, a Kristina, se lembra de partir a teia e a aranha, obviamente, começa a mexer. Pânico. Mas isso não estragou a experiência da metade do nosso dia.

O regresso a Agnes Water e o final da experiência

Ao voltarmos acampamento já lá tínhamos os aviões à nossa espera. Foi só arrumarmos as coisas, e regressar. Desta vez fui no avião com o outro piloto, que segundo me pareceu era o “dono” da experiência, o Bruce. E que grande pancada…

O voo foi bem mais atribulado do que o de ida para a ilha. A certa altura ele pede para parar de filmar, e assim que viu que eu já não estava a filmar desliga o motor do avião em pleno ar. Aquele silêncio dos motores foi ensurdecedor! Acho que a melhor expressão para descrever como me senti foi: Borrei-me todo! Não literalmente, mas fiquei genuinamente assustado! Foi uma experiência gira, e uma “preparação” para o salto de pára-quedas que iria fazer uns dias mais tarde, mas houve coisas que não gostei mesmo.

Uma coisa é brincar com os participantes de um evento, outra coisa é passar da brincadeira ao abuso. A certa altura, durante o voo, o piloto decide fazer uns “saltitos” com o avião, agarra-me a minha câmara, e diz que é para filmar as “meninas aos saltos”. Nem eu nem elas acharam piada a isto, na verdade, a partir desse momento o ambiente ficou algo estranho. Cada vez que ele fazia uma brincadeira dessas, já nem se viam sorrisos.

Viagem de avioneta de regresso a Agnes Water
Viagem de avioneta de regresso a Agnes Water

De volta a terra, fui até ao hostel onde tomei um mega banho e descansei um pouco. Horas mais tarde fomos para o churrasco com o resto do grupo, e bebermos cerveja caseira! A ideia de marcar mais uma noite no hostel foi uma excelente decisão, se não fosse isso não iria poder aproveitar o churrasco e o convívio com o resto do pessoal.

À noite tivemos mais convívio no hostel, onde nos cruzámos com mais um rapaz que esteve connosco em Fraser. Ele também ia fazer uma experiência em Middle Island, mas aparentemente com menos “comodidades”, designada como “Survivor”.

Essa noite dormi que nem um bebé, primeira noite com algum conforto, e preparado para o próximo destino! Foi uma das experiências que mais me marcou na Austrália. Muito devido ao grupo, mas também por ser algo tão isolado. Uma pena que não deixei espaço para explorar a vila de Agnes Water, mas talvez fique para uma próxima vez.

Onde fica Agnes Water?

Agnes Water fica na Costa Este da Austrália, uma pequena vila longe de tudo, mas na rota dos autocarros Greyhound que são tão populares entre os mochileiros.

Agnes Water e 1770 são duas vilas bem próximas uma da outra. Na verdade eu até pensava que 1770 era o nome da zona e Agnes Water o nome da localidade, mas aparentemente não é o caso. Estas vilas ficam no extremo sul da Grande Barreira de Coral, e apesar de ficar fora da rota principal de estradas, é um ponto de passagem entre mochileiros.

Por Gil Sousa

Português emigrado em Cork, viajante e apreciador de boa comida.

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